Ainda com delicadeza, buscava com os dedos a nova cicatriz em meu corpo. Parte daquilo que fui e que estava me tornando.
Não acalentava mais sofrimento algum em meu peito, tinha decidido que assim seria. Buscava a realidade, ainda que dura, com uma sensatez nunca antes experimentada. E isso era fruto da história que havia vivido e do novo olhar conquistado. Conquistei de maneira natural, dolorosa até, mas era doce.
Doce como a espuma do mar agitado passando por meus pés descalços na areia molhada. Uma calma, por vezes revolta, querendo respirar tudo o que passava por mim, querendo sentir de maneira completa os milagres cotidianos que assistia.
A vida não poderia estar dando mais certo.
Mentira, é claro que poderia. Sim, poderia! Haviam desejos gritando em minha pele, sedentos por mais. E eu não conseguia silenciá-los, estavam parte de mim agora, rasgando a alma serena, desajeitadamente construída. Mas eu conseguia tudo o que queria, uma força interior, uma teimosia infantil me acompanhava pelo caminho. Os desejos eram, finalmente, distraídos com um pouco de confiança, aceitação e fumaça.
Fome, sede, sono. Vontade de produzir. Tudo era demais aqui. Anseio por liberdade, soltar as amarras, me desapegar. É tudo uma questão de prática, no final das contas, simplificar. Coleciono informações em meu corpo, mas meu coração é um só e a mente pede para que seja simples. Coração e mente, emoção e razão – eles haviam feito as pazes novamente, mas sem a austeridade de outrora.
Não havia espaço para compartilhar, não nesse momento. Já tinha perdido demais tentando ser mil, de tudo e de todos. A vida me chamava para uma aventura deliciosa, as maravilhas saltavam aos meus olhos e não havia tempo para olhar pra trás. Agora, o momento era meu. Simples.
Acariciava novamente minha cicatriz. Perfumes, gostos, toques. Tudo estava ali, bem a minha frente, pedindo para ser experimentado. E porque não?
“A dor é inevitável, o sofrimento é opcional.” C.D.A.